Uma equipe de investigadores dos Centros para Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) dos Estados Unidos, publicou um relatório nesta segunda-feira (22) que conclui que os professores podem desempenhar um papel central nas cadeias de transmissão que são detectadas nas escolas. É mais um exemplo do esforço que está a ser feito à escala mundial para esclarecer como se comporta este vírus nas escolas e, desta forma, garantir a máxima segurança no ensino presencial, que todos desejam.
Os cientistas do CDC levaram a cabo uma investigação sobre a transmissão do SARS-CoV-2 num distrito escolar da Georgia entre 1 de Dezembro de 2020 e 22 de Janeiro de 2021. Foram identificados nove surtos que envolveram 13 professores e 32 alunos em seis das oito escolas primárias. Os investigadores consideraram como surtos as situações com três ou mais casos ligados de covid, sendo que em média estes grupos envolveram seis pessoas. Em quatro surtos, o primeiro caso identificado foi um professor, em apenas um o primeiro caso terá sido um estudante e nos restantes quatro não foi possível identificar a origem do surto. A investigação decorreu ao longo de 24 dias de ensino presencial numa comunidade escolar com 2600 alunos e 700 funcionários.
Entre outras conclusões, o relatório refere que alguns dos contágios podem ter ocorrido em situações em que as regras de segurança foram quebradas ou facilitadas. “Em sete surtos a transmissão entre professores e estudantes pode ter ocorrido durante sessões de instrução em pequenos grupos, nas quais os educadores trabalharam em estreita proximidade com os alunos”, referem os especialistas que visitaram as escolas e que também suspeitam de que cinco surtos possam estar associados a um uso incorrecto das máscaras pelos alunos.
“Os educadores desempenharam um papel importante na propagação do covid-19 nas escolas. A propagação de covid-19 ocorreu frequentemente durante reuniões presenciais ou almoços e depois espalhou-se nas salas de aula”, referiu a directora do CDC, Rochelle Walensky, numa conferência de imprensa na segunda-feira. E resumiu: “As duas principais razões para a propagação de covid-19 nestas escolas foram o distanciamento físico inadequado [muitas salas cheias não permitiam sequer o distanciamento de um metro] e a falta de adesão ao uso de máscara nas escolas.”
Vacinas e outros estudos
O estudo sugere ainda que a vacinação dos professores pode ser importante para proteger os grupos de risco e prevenir a propagação do vírus nas escolas. Embora os especialistas do CDC não considerem que esta é uma condição indispensável para a reabertura de escolas em segurança, o estudo refere que a vacinação “deve ser considerada como uma medida de mitigação adicional a ser acrescentada quando disponível”.
“A conclusão de que os educadores desempenham um papel importante na transmissão na escola é consistente com as conclusões de outras investigações”, refere também o relatório do CDC, citando um “grande estudo prospectivo” em escolas do Reino Unido que concluiu que o evento de transmissão mais comum era de educador para educador. Noutro grande estudo prospectivo, adiantam os peritos, que analisou a transmissão em escolas alemã terá concluído que as taxas de transmissão eram três vezes mais elevadas quando o caso índice (o primeiro caso entre vários casos da mesma natureza ou epidemiologicamente relacionados) ocorria num educador do que quando o caso índice ocorria num estudante. “Em consonância com os resultados de estudos internacionais, este relatório concluiu que as infecções iniciais entre educadores desempenharam um papel substancial na transmissão do SARS-CoV-2 e subsequentes cadeias de infecção para outros educadores, estudantes e famílias, salientando a importância da prevenção de infecções entre educadores em particular”, lê-se no relatório do CDC.
A discussão sobre o papel das escolas na pandemia da covid-19 não é naturalmente exclusiva de Portugal. O mundo todo anda a discutir o mesmo tema e o debate tem quase tanto tempo quanto a crise pandémica. Nos milhares de estudos já publicados sobre este assunto com visões mais locais ou mais globais, revistos pelos pares ou em pré-publicações, é possível encontrar as mais variadas perspectivas. E até contradições. No entanto, parece já ser possível algum consenso: já se constatou, por exemplo, que as crianças são afetadas por este vírus de uma forma menos severa do que os adultos. Sobre o papel das crianças como transmissores da infecção, a conclusão já não é tão clara, uma vez que aí surge o ruído causado pelo facto de as crianças serem muitas vezes assintomáticas e poderem estar a transmitir o vírus sem que isso possa ser detectado num rastreio.
Outra coisa que também será consensual é que o ensino presencial proporciona benefícios importantes às crianças e comunidades e que há poucas medidas com mais impacto social do que o encerramento de escolas. Ninguém duvida do prejuízo das crianças com o fecho das escolas, mas ainda muita gente discute o risco que as escolas abertas podem representar para a pandemia. No final de Janeiro, os CDC já tinham referido que num momento em que muitas escolas reabrem para ensino presencial nos EUA e no resto do mundo existem ainda “poucas provas de que as escolas tenham contribuído significativamente para o aumento da transmissão comunitária”.
Por enquanto, qualquer frase sobre a possibilidade de reabertura das escolas é sempre conjugada com um “se”. Se forem cumpridas e até reforçadas todas as regras de segurança, se o plano de testagem for levado a cabo nas escolas de uma forma intensiva, se forem tomadas medidas que evitem que esta reabertura arraste um aumento da mobilidade e um relaxamento das medidas de protecção de todos. Apesar das muitas divergências e dos inúmeros estudos (alguns até contraditórios), há por isso um consenso sobre a necessidade de um cuidadoso planeamento para executar esta decisão da forma mais segura possível. Seja quando for, agora ou um pouco mais tarde.
Fonte: Público