A internacionalização da Amazônia: ameaça real?

Toninho

Os incêndios e queimadas que fazem a ‘Floresta Amazônica’ arder em chamas despertaram a atenção mundial e fazem ressurgir as ideias de sua ‘internacionalização’. Embora pouco divulgada, a idealização de uma ‘Floresta Amazônia’ como patrimônio mundial remonta aos anos 1940 após a Segunda Grande Guerra Mundial. A proposta foi apresentada por um cientista e representante brasileiro na UNESCO, Paulo Estevão Berredo Carneiro, na Conferência Geral da ONU para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, no ano de 1946, com o intuito de integrar os países com território na região.

Antes, o assunto já havia sido abordado pelo geógrafo, filósofo, historiador, explorador e naturalista alemão Alexander Humboldt que propôs a designação de ‘Hiléia Amazônica’ à região em 1872. A expressão abarcava a floresta equatorial que vai das encostas orientais dos Andes, por todo o vale do Amazonas, até as Guianas, cujo território possui o maior banco genético da terra.

Antes dele, o naturalista brasileiro Alexandre Rodrigues Ferreira se notabilizou pela realização de uma extensa viagem que percorreu o interior da Amazônia até ao Mato Grosso, entre 1783 e 1792, elaborando estudos sobre a agricultura, a fauna, a flora e os habitantes das regiões amazônicas, despertando para a dimensão, exuberância e importância da floresta. Depois, no século XIX, vieram Johann Baptist Von Spix e Carl Von Martius (dois botânicos alemães que exploraram a região amazônica em viagem nos anos de 1817 e 1820), Henri-Anatole Coudreau (geógrafo francês contratado pelo governo do Pará para fazer uma série de explorações pelos rios da Amazônia em 1895) e Matthew E. Maury (geógrafo norte-americano que propôs em 1850 um projeto para a livre navegação no rio Amazonas a fim de introduzir colonizadores e o comércio americano na região).

Em 1947, a proposta do brasileiro Paulo Estevão de criação do ‘Instituto Internacional da Hiléia Amazônica’ – IIHA tornou-se um dos principais projetos da UNESCO, e na mesma década intensificou-se o debate com a criação da Comissão Econômica Para a América Latina e o Caribe – CEPAL.   A instituição buscava soluções para o desenvolvimento de países latinos subdesenvolvidos e considerava a proposta da ‘internacionalização’ da Amazônia uma possibilidade para alcançar o progresso econômico da região.

A ideia de criação de um centro científico internacional para a Amazônia nos domínios da botânica, da química, da biologia e da antropologia foi incorporada à agenda política e científica da UNESCO num momento, imediatamente posterior ao fim da Segunda Guerra Mundial, onde esse organismo se constituiu num fórum privilegiado da discussão acerca do papel social da ciência nas regiões periféricas. Assim, em 1947 a proposta de criação do IIHA foi alçada à condição de um dos quatro principais projetos da UNESCO. Em agosto do mesmo ano realizou-se uma Conferência Científica em Belém para definir em linhas gerais o programa de pesquisas do futuro Instituto. Em abril e maio de 1948, ocorreram reuniões em Iquitos, no Peru, e em Manaus, para discutir a estrutura político-burocrática e as primeiras pesquisas a serem desenvolvidas. A partir do final de 1948, o projeto do ‘Instituto Internacional da Hiléia Amazônica’ – IIHA chegou ao Congresso Nacional para ser ratificado, uma das exigências da Convenção de Iquitos, mas acabou barrado pelo Parlamento.

As discussões se espalharam para outros setores da sociedade, o meio militar, a intelectualidade, a imprensa e a comunidade científica. Nesse sentido, o plano inicial de criação do ‘Instituto Internacional da Hiléia Amazônica’ – IIHA foi um catalisador de temas e problemas candentes que geraram a implantação do ‘Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia’ – INPA em 1952.

Na década de 1960, o ‘Instituto Hudson’, de Nova York, idealizou projeto de construção de ‘Grandes Lagos Amazônicos’ artificiais para facilitar o tráfego, o comércio e a exploração da bacia amazônica, prontamente rechaçado pelo Brasil.

No início dos anos 90, o senador norte-americano Bob Kasten declarou que ‘ao contrário do que pensam os brasileiros, a Amazônia não é deles, ela pertence a todos nós’. Nesta mesma época, ainda nos EUA, foram produzidos mapas da América do Sul mostrando a Amazônia como região internacional. Em 2008 o jornal ‘The New York Times’ publicou artigo com a indagação ‘De quem é a Amazônia?’. O presidente norte-americano Barak Obama classificou a Amazônia como um ‘recurso global’. O fato é que a cobiça mundial pelas riquezas da Amazônia sempre esteve presente em setores estratégicos internacionais, e ressurge agora reforçada pelas premências das ambientais do planeta.

Na esteira da crise causada pelos recorrentes incêndios e queimadas na floresta Amazônica, e com a postura inábil e beligerante do governo brasileiro frente aos líderes mundiais que criticam as ocorrências e a forma com que o governo brasileiro lida com a questão, surgiram várias manifestações sobre o tema alertando para a importância global da floresta.

‘Estamos preocupados com os grandes incêndios que se desenvolveram na Amazônia. Esse pulmão florestal é vital para o nosso planeta”, disse o Papa Francisco. O secretário-geral da ONU, António Guterres, mostrou sua ‘profunda preocupação’ com a situação e declarou que ‘em meio à crise climática mundial, não podemos nos permitir mais danos a uma grande fonte de oxigênio e biodiversidade. A Amazônia deve ser protegida’. O presidente francês Emmanuel Macron considerou que os incêndios na Amazônia são uma ‘crise internacional’, e disse que ‘a floresta amazônica – o pulmão que produz 20% do oxigênio do nosso planeta – está queimando’. Outros líderes mundiais e representantes de organismos ambientais seguiram o mesmo tom em suas declarações.

O fato é que o comportamento do governo brasileiro ateou mais lenha ao incêndio, fazendo ressurgir no mundo a ideia de ‘internacionalização’ da Amazônia como ‘Patrimônio Mundial’, disseminando a visão de que o país não está preparado para zelar por ela. Tudo num momento de urgência climática em que as questões ambientais são destaque face ao aquecimento global.

A ameaça é real! Após o encontro do G-7 (países mais ricos do planeta) ocorrido em 2019, o presidente francês Emmanuel Macron admitiu a possibilidade da ‘internacionalização’ da Amazônia: ‘Este não é o quadro da iniciativa que estamos tomando, mas é uma questão real que se impõe se um Estado soberano tomar medidas concretas que obviamente se opõem ao interesse de todo o planeta”, ameaçou. Ainda segundo ele, esse status (a ‘internacionalização’) é um caminho que permanece aberto e continuará a florescer nos próximos meses e anos’